228
Escrita Criativa por Pedro Chagas Freitas
"Combinaram
no hotel. Junto à auto-estrada, a meio caminho. Ela tremia, volante nas
mãos. Ele tremia, volante nas mãos. Sabiam que a vida, se a vida valia a
pena, era aquilo, só podia ser aquilo: aquele aperto, aquela asfixia,
aquele medo de que pudesse não ser e ao mesmo tempo a certeza de que
era, de que só podia ser.
O amor é o medo de que possa não ser e a certeza de que só pode ser. O amor não é; o amor só pode ser.
Ela chegou primeiro. Ele chegou depois. Mas ambos sabiam que já tinham
chegado há muito. Ambos sabiam que tinham chegado no mesmo momento, na
mesma hora. Desde o momento. Desde que sem se verem se olharam. Desde
que sem se apertarem se abraçaram. Desde que sem se conhecerem se
reencontraram.
O amor não é; o amor só pode ser.
A urgência de um check-in. A força de um número, um número mágico fosse qual fosse o número. 228. Um quarto.
Há números que são mágicos sejam quais forem os números. Há números que
são os mais importantes do mundo e ao mesmo tempo os menos importantes
do mundo.
228. Toda a vida num número.
O vento em
volta, o mundo em volta. E no entanto tudo sem. Só a imagem dela, a doce
ela, a tudo ela, à espera, no quarto que tem o número mais importante
do mundo e o número menos importante do mundo.
Toda a felicidade num número.
Imaginou-a na cabeça, desenhou-lhe os lábios, circundou-lhe o nariz,
traçou-lhe as linhas do rosto, descobriu-lhe o sorriso. Quando a porta
se abriu, limitou-se a confirmar que era ela: os lábios, o nariz, as
linhas do rosto.
E o sorriso. Oh: o sorriso. Toda a felicidade num sorriso.
A felicidade é um sorriso que não passa.
E o sorriso. Oh: o sorriso.
Seguiu-se o abraço. Seguiu-se o amor. Como se não fosse, como se
houvesse outra possibilidade, outra urgência. Como se houvesse. Não
havia. Havia dois braços apertados, dois mundos sem lados.
228. Toda a vida num número.
Havia uma cama, duas almofadas, dois metros quadrados de amor.
Todo o amor em dois metros quadrados. Toda a vida em dois metros quadrados.
E o abraço. Oh: o abraço.
O abraço ficava, mudava de abraço, de beijo, de corpo, de suor. Mas era
sempre um abraço. Mas era sempre, como só podia ser, o amor.
O amor não é; o amor só pode ser.
Fizeram o que faz quem se ama e fizeram o que não faz quem se ama. Primeiro com corpo e depois com corpo. Mas nunca com corpos.
O amor é um corpo sejam quantos forem os corpos.
Fizeram-se.
Lentamente por vezes, arfadamente por vezes.
Fizeram-se.
Até que os. Os corpos derrotaram-se de cansaço, os suores secaram-se de abraço. Ficou um sono acordado, um sonho apertado.
Ficou o amor, fica sempre o amor.
Nos lençóis molhados, nas pernas entrelaçadas, nos calores partilhados.
Ficou ele e ficou ela.
E ambos souberam, no momento em que, ao nascer do dia, se despediram, que não foi só o suor e o tempo que ficaram ali.
Ficou ele e ficou ela.
No hotel junto à auto-estrada. No 228 de uma vida. Em dois metros quadrados de eternidade.
Ficou ele e ficou ela.
E ambos souberam, no momento em que, ao nascer do dia, se despediram, que o amor, e aquilo só podia ser amor, não é.
O amor só pode ser. E eles, voltassem ou não a ver-se, não eram.
Eles, incondicionalmente, só podiam ser(-se)."
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